Rui Cruz em seu espetáculo Cego, Surdo e Mudo
Toca: Quem te influenciou mais, nesse processo de se tornar
humorista?
R.C.: Eu tenho muitas influências de outros
comediantes, como Bill Leaks e George Calin, que são, talvez, minhas melhores
influências...mas também tenho muitas influências literárias e musicais, desde
o Luís Pacheco, os livros e filmes de Woody Allen, Voltaire...e mesmo na
música, Banda do Cavaco, Beatles, Type O Negative, com aquele humor sarcástico.
Então, as minhas referências vêm de muitos lados, ao contrário da maior parte
dos comediantes da minha geração, as minhas referências são mais espalhadas.
Talvez por isso a minha comédia seja um bocado diferente do que fazem os meus
contemporâneos.
Toca: E sobre as participações que você já fez?
R.C.: Fiz muitas participações...fiz uma com o
Rui Sinel de Cordes, que é um comediante português bastante conhecido...escrevi
quase todos os programas dele...e fiz participações com ele ao vivo, desde o
espetáculo Anjos Negros, que é um trabalho que tive com ele e o Paulo Almeida
(também humorista), e depois tenho participações na televisão...tenho feito
coisas em todos os canais...escrevi textos humorísticos para muitos
programas...programas de culinária, ou seja, participações já fiz em quase
tudo.
Toca: (*risos*): E como é isto? Você diz qual o prato do dia
vai ser mostrado no programa naquele dia?
R.C.: Sim! Escolho com o apresentador as
receitas do programa e depois vou fazendo histórias para cada receita,
pesquisando suas origens, ingredientes...
Toca: Quem diria?!
R.C: (*risos*). Nunca ninguém diz, não é?
Toca: Nos teus vídeos da série Tão Real que Dói – aliás,
teremos continuação? - ...
R.C. Sim, deveremos voltar em Setembro, em
princípio!
Toca: ...o seu gato é uma presença constante. Conte-nos sobre
essa parceria.
R.C.: (*risos*) Epá, o meu gato é das coisas
que mais gosto no mundo, mesmo. E depois, ele é buè camera friendly! Ele é
muito fotogênico e muito bonito na câmera...e toda gente sabe que gatos dão
likes. Logo, juntei o útil ao agradável, que é tornar o meu gato famoso – que acho
que, em certo ponto, já é mais famoso do que eu - e levar likes pros vídeos.
Teve uma miúda que mandou uma mensagem a
dizer que só via os vídeos para, no final, ver o gato.
Toca: Que adorável!
R. C.: (*risos*)...portanto, acho que tive uma
boa jogada.
Toca: Eu achei que foi um highlight na vida dele quando ele
sumiu, né? (Há mais ou menos um ano, o humorista lançou
uma campanha desesperada na internet para que as pessoas o ajudassem a
encontrar o gato que fugiu e aparentemente havia se perdido. Foram dois dias de
buscas aflitas até que o fujão foi encontrado)
R.C.: Putz, aquilo foi um pânico! O pôster dele
de “Procura-se” está colado na parede da minha sala. Foi uma busca aflita de 48
horas mas no fim, ele estava no telhado.
Toca: Como é o nome dele?
R.C.: Majin Thoth! Majin é porque ele tem o “M”
na cabeça como o Boo do Dragon Ball, então ficou “Majin Boo” e “Thoth”, foi por
causa da minha ex-namorada que foi quem o trouxe para me chatear, o apelidou
com um nome egípcio que ainda por cima é um deus que sem sequer tem cara de
gato, o que não faz sentido, é só parvo. Mas esse nome ficou giro, ele gosta do
nome.
Toca: Sim, acho que combinou tanto com ele...ele é tão...
R.C.: ...”psicopata” é a palavra certa...
Toca: Ele tem uma dignidade, né?
R.C.: (*risos*) Como Hanibal Lecter!
Toca: O humor se relaciona com temas sérios? Como você
trabalha a relação “Dizer coisas engraçadas” X “dizer o que as pessoas precisam
ouvir”?
R.C.: Eu nunca penso naquilo que as pessoas
precisam ouvir. Da parte da comédia, nunca. Eu faço aquilo que, normalmente, me
faz rir e depois as pessoas ou gostam ou não gostam, eu nunca vou à procura de
público. A arte, para mim, não é uma cena que vais atrás de fazer para agradar
alguém. Arte é aquilo que vais fazer porque precisas fazer. É uma coisa tua. As
pessoas gostam ou não. A partir do momento em que tu fazes, já com o resultado
na cabeça, deixa de ser arte, passa a ser um negócio e eu nunca fui por aí.
Agora, fazer comédia com coisas sérias...eu acho que só se deve fazer comédia
com coisas sérias. A comédia tem muito dessa responsabilidade social, acho eu,
de tirar o peso a coisas que já são pesadas e é isso que também chateia as
pessoas, tirares o peso e a carga negativa a coisas que são próximas ou que lhe
tocam, de alguma forma. Parece que, quando tu tiras peso de coisas negativas,
tu estás a desrespeitar a situação e não, estás só a tirar peso. A vida é tão
efêmera, nós andamos cá 80 anos, mais ou menos, é tão pouco tempo! Para que
estar a pôr mais pensamentos negativos à cabeça quando tu podes brincar com
eles e lidar com eles de modo mais fácil? É isso que eu penso quando faço a
minha comédia. Muito da minha comédia é autobiográfica e psicológica – tem quase
uma função terapêutica para mim, pois falo de muitas coisas como relações que
acabaram, é uma maneira de expiar coisas que me enervam ou que eu não percebo,
é minha válvula de escape. É bom quando alguém me ouve e se sente reconhecido
ali. Desde criança, meus pontos de brincadeira foram coisas que, normalmente,
não eram para brincar. É algo que está no sangue e acho que essa é a forma como
eu me relaciono com o mundo. E acho que é importante fazer piadas com temas
tabus, porque as vezes, não coisas que não se falam, por serem tabus, e quando
tu brincas com eles, nem que tenhas uma recepção negativa, estás a trazê-los à
tona. Às vezes, trazes a atenção das pessoas para coisas que elas não se
lembram ou não falam e isso acaba sendo positivo, ainda que te traga ódio
também.
Toca: Há um vídeo interessante onde respondes ao teu colega,
Diogo Batáguas (humorista) que já te chamaram de “Conchita”. Rui Cruz é um
homem vaidoso?
R.C.: (*gargalhada*)
Toca...há vídeos teus em que apareces com batom e vestidos.
R.C.: Sim! Já fui muito vaidoso, muito metrossexual.
Maquiagem, sempre gostei, desde garoto. Meus pais sempre acharam piada ter um
filho razoavelmente diferente. A roupa feminina é muito legal!
Toca: O humor negro é uma provocação? Quem é a tua audiência?
Você a conhece?
R.C.: Eu conheço um bocado da minha audiência. Tem
a turma que leva as coisas meio a sério...o meu humor varia do humor social ao
humor negro – acho que sou o mais ácido dos comediantes e acho que sou, no
palco, muito próximo do que sou na vida fora dele – sou sarcástico e acaba que
o meu show acompanha o tom.
Toca: Eu não acho que seja tão ácido.
R.C.: Não achas?
Toca: Não.
R.C.: Mas sou ácido nas minhas observações e
sou amargurado, vá. Sou aquele velho ranzinza que nós falamos a bocado...
Toca: Bom, vai ver o seu tipo de humor me soa mais familiar do que
para as outras pessoas...
R.C.: Se calhar tu acabas sendo um bocado
parecida comigo nesse aspecto e por isso tamos a dar bem, tás a ver? Quando sinto empatia, sou
simpático, quando não, sou uma besta.
(P.S. Ele foi um doce de pessoa.)
Toca: Ainda sobre o público, como você percebe as pessoas que
consomem o teu material?
R.C.: Tenho basicamente 3 tipos de público:
aquele mais erudito, que gosta muito de ler, que gosta de boa música e acabam
encontrando eco nas mesmas referências culturais que eu tenho; o bruto, que não
percebem que uma piada de humor negro é só uma piada e acham que estou a
justificar suas posições ofensivas, que é só ridículo e depois, tenho um
público desajustado socialmente, pessoas como eu, que não se enquadram na
sociedade, que não tem grupos específicos e que sentem que este mundo de
aparências não faz sentido. O meu público é uma mistura destas três categorias.
Toca: Isso é curioso, porque são completamente diferentes e
talvez, se interagissem, brigassem o tempo todo.
R.C.: Ah sim, isso acontece o tempo todo!
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