Rui Cruz participando do programa Maluco Beleza |
Toca: Porque algumas pessoas se sentem tão ofendidas com o
humor negro? Há uma forma madura de lidar com as agruras sociais sem ofender ou
não há essa preocupação específica no humor negro?
R.C.: Qualquer piada vai ofender alguém. Se eu
fizer uma piada de loiras, as loiras ficarão ofendidas. O humor negro ofende
mais porque foca em temas que são sensíveis: câncer, violações, AIDS, morte,
tragédias. O que é que ofende? Ofende aquilo que é mais próximo de ti. Não é o
tema em si, mas o que te é próximo. Agora, tens na internet movimentos de massa
e consegues criar uma onda de respostas. Se és uma pessoa famosa e dizes que se
ofendeu com determinada coisa, tens aí 100 pessoas que a seguem e que vão
partir pra cima, muitas vezes sem nem saber direito o porquê.
Toca: No Brasil, alguns humoristas se viram obrigados a se
desculpar por causa da repercussão negativa de algumas piadas ou tiveram
projetos boicotados. Como lidar com a crítica que chega a este nível?
R.C.: Aqui em Portugal também já tivemos alguns
problemas com humoristas. Eu sou apologista de nunca pedir desculpas. Nunca vou
pedir desculpa por uma piada. Se a piada correu mal, correu mal. Nenhum artista
faz isso.
Toca: “Algumas questões”. O que te incomoda mais atualmente
nos comportamentos ou no estilo de vida?
R.C.: A falta de referências é uma coisa que me
assusta muito. Esta nova geração tem zero referências do passado, como se ele
não existisse. Quando tens uma geração que não tem referência de passado,
tudo o que foi de mal vai voltar a
acontecer e as próprias referências culturais são algo que me dão ataques de
pânico. Eu penso “se isto existe é porque tem audiência e se tem audiência é
porque há milhares de pessoas que acham que isto é legal”. Eu vivo em pânico e
irritação quase 90% do tempo. A minha geração já começou a ser assim...acho que
a geração anterior, a última grande geração de coragem, de força de vontade...a
minha geração já começa a se queixar de tudo e a querer tudo de mão dada...
Acho assustadora a falta de cultura e o louvor
à falta de cultura. No meu tempo havia o
burro da turma, que era um gajo popular mas toda gente sabia que era burro. As
pessoas o achavam engraçado e só. Hoje o burro da escola é o gajo mais legal, é
o gajo que diz “Nunca li um livro e não quero saber de política” e é aplaudido
por isso. Hoje vais ao Twitter e vês garotos dizendo frases rasas e estas frases são retwitadas 40 mil vezes! E as garotas a dizerem que é com este tipo que querem se casar!
Toca: Formam um casal legal, o burro da escola e a garota desmiolada.
R.C.: Mas esses depois vão procriar e daqui a uns anos, temos o Idiocracy! (*risos*) Porque gente como nós não tem filhos e estes gajos têm uns 8 e lá está o Idiocracy!
Toca: Você é uma pessoa que se incomoda com algumas questões
da vida moderna...
R.C.: (*risos*) Todas!
Toca: “Algumas questões”. O que te incomoda mais atualmente
nos comportamentos ou no estilo de vida?
R.C.: A falta de referências é uma coisa que me
assusta muito. Esta nova geração tem zero referências do passado, como se ele
não existisse. Quando tens uma geração que não tem referência de passado,
tudo o que foi de mal vai voltar a
acontecer e as próprias referências culturais são algo que me dão ataques de
pânico. Eu penso “se isto existe é porque tem audiência e se tem audiência é
porque há milhares de pessoas que acham que isto é legal”. Eu vivo em pânico e
irritação quase 90% do tempo. A minha geração já começou a ser assim...acho que
a geração anterior, a última grande geração de coragem, de força de vontade...a
minha geração já começa a se queixar de tudo e a querer tudo de mão dada...
Acho assustadora a falta de cultura e o louvor
à falta de cultura. No meu tempo havia o
burro da turma, que era um gajo popular mas toda gente sabia que era burro. As
pessoas o achavam engraçado e só. Hoje o burro da escola é o gajo mais legal, é
o gajo que diz “Nunca li um livro e não quero saber de política” e é aplaudido
por isso.
Agradecemos ao Rui Cruz pela disponibilidade e gentileza em atender ao convite do Toca para essa entrevista, que aconteceu em Lisboa. Espero que vocês também tenham gostado da prosa!
Beijos,
Mariana Mendes 💖
¹ (“Without Feathers”, lançado no Brasil pela editora
L&PM Pocket, com o título “Sem Plumas”. Trata-se de uma coleção de histórias curtas e duas peças, Morte e Deus. O autor traz neuroses,
referências à psicanálise, versões humorísticas de histórias clássicas,
obsessão com a morte e algum nonsense.)
² Existe, em Portugal, uma legislação que
envolve a atuação da arqueologia, como movimentação
de bens arqueológicos em território nacional, intervenções para
edifícios tombados, etc e segundo alguns arqueólogos locais, as empresas são obrigadas a ter laudos de
arqueologistas sobre a existência ou não de objetos arqueológicos, o que acaba
encarecendo e tardando as obras. Assim, algumas empresas pagam propina para que
o arqueólogo “não encontre nada” e elas possam fazer as obras mais rapidamente.
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