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terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Um LIVRÃO chamado A Época da Inocência

Oi gente!

Bom, como eu dizia a você, no @tocadaleitura, A Época da Inocência retrata um tempo que nada tinha de inocente: a sociedade tinha os seus preconceitos, sabia castrar sentimentos e ações que considerava indevidas, sibilava fofocas que construíam ou destruíam reputações dia e noite e muita gente boa foi injustiçada e aprisionada em situações terriveis por não conseguir romper o cerco que lhes era imposto. 

Newland Archer e May Wallace são o símbolo do casal dos sonhos de sua época: ambos vem de boas famílias, são elegantes, equivalentes - bom, cumprem os seus papéis sociais. Nas passagens em que os dois conversam, fica evidente que Archer tolera a superficialidade dos pensamentos e compromissos da jovem noiva como se fosse algo natural de se esperar de uma mulher. 

May, por sua vez, é o fruto do ensino geracional de sua época: a jovem preparada para ser senhora de uma casa tão boa quanto é a de seus pais, esposa, mãe. Ela tem uma ingenuidade cativante e é doce de fazer cair os dentes. 

É nesse cenário perfeito que entra Ellen Olenksa, prima de May Wallace, que veio fugida da Europa, ou melhor, de um casamento cuja intimidade, mencionada rapidamente em diálogos entrecortados, parece absurdo e abusivo. Ela quer se aproximar da família - e não podia ter chegado em pior hora, uma vez que toda boa sociedade está com os olhos sobre os noivos maravilhosos e agora se deleita com a situação escandalosa da ex-condessa. 

Ellen procura, sem muito sucesso, um advogado que cuide do seu divórcio e para evitar que a situação se alongue, Archer acaba se aproximando de madame Olenska a fim de resolver as coisas o mais rápido e discretamente possível.

O problema é que Ellen está aliviada por se livrar do marido inconveniente e deslumbrada com recém nascida Manhattan, cuja modernidade e luz certamente acolherá uma mulher em sua situação. Porém a alta sociedade é sempre rápida e eficiente em mostrar a real situação de madame e é com tristeza resignada que Ellen assiste mulheres de boa reputação evitando sua companhia, famílias de grandes sobrenomes deixando-a de fora de suas listas de eventos sociais e homens de reputação duvidosa tentando se aproximar com a mesma rapidez que homens de boa reputação e/ou casados se afastam - e quando tentam quebrar esse ciclo cruel, só a expõem mais à difamação. Ellen Olenska está enclausurada.

Archer, que ainda consegue se indignar com injustiças do mundo, assiste a tudo sem saber bem o quê fazer, pois ele mesmo é parte dessa sociedade que sabe ser tão agradável e tão cruel. O desamparo sufocante de Ellen vai lhe torcendo o coração e quando dão conta, os dois estão mais envolvidos do que deveriam. 

No entanto, enquanto Ellen e Archer se digladiam entre o amor que sentem e o que ambos sabem que devem fazer, May Wallace, mostra como sua inocência é apenas uma parte da construção feminina ancestral que a blinda e a distingue de mulheres menos afortunadas. May, com toda maestria, espera o momento certo para atacar, sempre docemente, a honra e o caráter de seu torturado marido.  Ela detém as amarras sociais aceitáveis e assim, em silêncio, com doçura e muita sabedoria, perde uma ou outra batalha para ganhar a guerra. 

O livro, numa leitura contemporânea, serve para nos mostrar que o passado romântico é uma idealização que revela a própria inocência e/ou inabilidade de gerir o que acontece no presente. Vemos aqui e em tantos outros livros que as sociedades do passado também foram difíceis, cheias de hipocrisias, segredos, invejas, corrupções. Leia Shakespeare! Leia Os Miseráveis ou E o Vento Levou! Cada tempo e lugar teve sua cota de podridão e injustiças, não é verdade?

A Época da Inocência é um livro muito bem escrito, com uma história poderosa que nos dá uma amostra das dificuldades por que passava uma mulher numa sociedade que ela, inocentemente esperava acolhida - e que acolheu, quando ela se submeteu ao papel que lhe foi dado - nos mostra a importância de não criar ilusões sobre tempos passados (que talvez foram mais elegantes para uma pequena parcela) mas entender a própria capacidade de transformar a realidade, entender que ela pode ser modificada no presente, o que pode resultar em um futuro, quem sabe, mais decente. 

Martin Scorcese filmou A Época da Inocência na década de 1990, e afirmou que foi o filme mais violento que já havia feito. O elenco, com Daniel Day-Lewis, Winona Ryder e Michelle Pfeiffer, extraiu o brilho preciso das páginas de Edith (e eu lembro que passei uma semana chorando com aquele final, em mil novecentos e lalaland).

Recomendo muito a leitura e o filme de Scorcese. O primeiro, tem o selo LIVRÃO do Toca. O segundo, selo LENCINHOS KLENEEX do Toca. 


Beijos, 

Mariana Mendes 💖








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