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terça-feira, 12 de novembro de 2019

Dica Literária: Frankenstein, de Mary Shelley


Olá Leitores!

Tivemos o encontro do Toca da Leitura, em clima de Halloween, na charmosa cafeteria Quitanda Santa Teresa, e o livro escolhido foi Frankenstein, de Mary Shelley. A minha edição é da Darkside, cuja introdução explica como a história se originou e algumas curiosidades, como as introduções de duas das primeiras edições da história, além daquela diagramação caprichadíssima. 

O livro começa com as cartas escritas pelo capitão Robert Walton para sua irmã Margareth enquanto ele está ao comando de uma expedição náutica no Pólo Norte. O navio fica preso no mar congelado e nesse momento, a tripulação avista uma criatura estranha viajando em um trenó puxado por cães. Logo depois, eles encontram e resgatam o doutor Victor Frankenstein. Assim, Victor passa a narrar sua história ao capitão Walton, que a reproduz nas cartas a irmã. 

Victor Frankenstein é um jovem estudioso, interessado pelas ciências naturais, que acaba desenvolvendo um interesse obsessivo pela alquimia e temas como eletricidade, matemática e os mistérios da criação. Victor, então, passa a se dedicar a um projeto secreto e, através de muita pesquisa, acaba encontrando o segredo da geração da vida, tornando-se capaz de animar matéria. 

De cara, sabemos que o projeto do Dr. Frankenstein tem 2,5 m de altura e é feito com partes de corpos roubados do cemitério (👀). Victor se torna obcecado com a criação de um ser humano, isolando-se e sacrificando sua saúde e após anos de tentativas, obtém sucesso. Porém...

“...mas agora que terminara, a beleza do sonho se desvaneceu, e meu coração estava repleto de desgosto e horror. Incapaz de suportar o aspecto do ser que criara, corri para fora do cômodo e continuei a andar...”

Pois é. Tomado pela ambição de gerar vida, Victor acaba cego à monstruosidade de sua criação enquanto trabalha nela e ao vê-la finalmente animada, é tomado por um horror tal que acaba fugindo e abandonando a criatura recém-criada. Encontrado por seu amigo Henry Clerval, Victor, exausto e doente, fica sob os  seus cuidados pelos meses seguintes.

Uma vez recuperado, Victor recebe uma carta de seu pai relatando o assassinato de William, o seu irmão mais novo. Ao chegar em Genebra, onde sua família mora, é informado que Justine, uma criada muito querida da casa dos Frankenstein, é acusada do crime. Porém Victor está convencido de que o verdadeiro culpado é a sua criatura. Justine, no entanto, é condenada à morte e Victor, preso ao terrível segredo de ter criado um monstro que provavelmente assassinou seu irmão, é consumido pela culpa e resolve se afastar dali.

Numa escalada pelo Mont Blanc, Victor é encontrado por sua criatura (👀), que é surpreendentemente articulada. O monstro conta sua história, narrando como fugiu do laboratório de Frankenstein para uma floresta próxima, onde precisou se virar sozinho. A narrativa do monstro é muito comovente e quase convence o leitor de que está diante de uma pobre vítima. Maaas tenha prudência, leitor, que esse não é o caso.
A criatura conta suas desventuras e tentativas de se aproximar dos seres humanos, tendo como resultado constante a repulsa e agressão. A criatura torna-se amargurada e resolve procurar seu criador e sua família.
Ao chegar em Genebra, guiado por um diário de seu criador, a criatura encontra o irmão mais novo de Victor, William, e acaba matando o garoto e incriminando Justine. A criatura, que aparentemente aceita a rejeição do criador, exige que Victor construa uma fêmea para ele e assim, ele viverá longe de todos, em paz.
Cheio de culpa mas contrariado, Victor concorda com o pedido. De volta a Genebra e esperançoso de que o pesadelo vai acabar, o cientista torna-se noivo de Elizabeth, e parte com seu amigo, Henry Clerval para a Inglaterra, a fim de cumprir a sua promessa.
Entretanto, ele muda de ideia ao ver sua nova criação, agora uma fêmea, tomando forma, temendo criar uma raça de monstros. Victor decide que ele tem que arcar com as consequências de seus atos e assim, destrói a criatura incompleta. 
Porém, o monstro testemunha o ato e jura se vingar, começando sua empreitada assassinando Henry Clerval. Abatido, Victor acaba se casando com Elizabeth mas na noite de núpcias, o monstro a ataca. Com a notícia da morte de Elizabeth, o pai de Victor adoece e morre em seguida.
Jurando vingança, o criador passa a perseguir a criatura, que o leva através de uma longa caçada em direção ao norte, seguindo pelos mares congelados, onde eventualmente são avistados pelo capitão Walton e sua tripulação. 
Uma vez resgatado e tendo contado sua infeliz história ao capitão, Victor, bastante doente, acaba morrendo. O capitão Walton, por sua vez, flagra a criatura no leito de morte de Victor Frankenstein, pranteando seu criador. Assustado, Walton ouve da criatura que seus crimes terminaram com a morte de Frankenstein, prometendo que dará paz aos seres humanos. 
Bom, aqui a gente começa a analisar a história sob algumas luzes.
Frankenstein é uma história complexa, considerando a época em que foi escrita e por quem foi escrita. Embora Mary Shelley tenha se esquivado de dar detalhes sobre ambientes e detalhes que provavelmente não conhecia com propriedade, como o laboratório de Victor Frankenstein, por exemplo, explora com maestria o duelo entre luz e sombra na caracterização dos personagens. 

Permita-me usar dois termos da Psicanálise de Jung, Sombra e Persona, para explorar esse duelo de claro-escuro; Sombra e Persona representam, respectivamente, aquilo que não seria socialmente aceitável e portanto fica escondido, muitas vezes inconscientemente, e a máscara que vai a público ou seja, a maneira como nos apresentamos. Podemos criar uma relação entre esses conceitos e a forma como Victor e sua criatura se complementam para entender nuances interessantes que Shelley criou.

Victor é um homem descontente, introspectivo mas que guarda um desejo gigantesco de ser reconhecido por algo grandioso, e que, de fato, acaba gerando, em segredo e por meios muito questionáveis, uma criatura marcada do início ao fim pela tragédia e pelo medo, uma vez que é privada da compaixão dos seres humanos desde seus primeiros minutos de vida. E aqui, a Sombra de Victor se concretiza na figura do monstro criado, ficando tão exposta que até ele mesmo se assusta e foge. 

E um detalhe importante de ser partilhado aqui é que a autora nunca chama a criatura de Frankenstein; essa denominação à criatura só viria a partir das adaptações cinematográficas, muitos e muitos anos depois, pelo entendimento geral de que a criatura seria uma espécie de "filho" de Victor e portanto, merecedor de ser identificado pelo sobrenome de família. Mas originalmente, nem nome a criatura recebe, durante toda a história! 

A criatura, com uma consciência parcial, utiliza-se da dinâmica de rejeição para se vingar de seu criador, Victor, que se sente culpado pelas mortes das pessoas que lhe são próximas. A lei máxima da alquimia se apresenta nessa relação cíclica da mortalidade: o cientista gera vida a partir da morte e, em troca, as vidas que tanto preza são tiradas de seu convívio. Quando Victor se apercebe dessa dinâmica, ele compreende que ambos terão que terminar juntos, possivelmente mortos e não mede esforços para caçar sua criatura, o companheiro por quem Victor tanto ansiava e que se mostra cruel, escapa do controle e age sem que ele perceba, vigiando-o, perseguindo-o e assassinando pessoas de seu afeto. 

É bem verdade que a autora nos leva a ter uma certa simpatia pela criatura; quando, por exemplo, ela descreve a sua perplexidade diante da própria imagem:

“[...] Nada sabia sobre minha criação e meu criador...[...] Além disso, era dotado de um físico hediondo e repelente. Eu nem sequer era da mesma natureza que o homem.”

“[...] E que terror senti quando me vi refletido numa poça d’água! A princípio, recuei assombrado, incapaz de crer que aquela era minha imagem e, quando me convenci de que era na realidade o monstro que sou, fui assaltado pelo desespero e senti-me extremamente mortificado.”

Porém, o buraco é mais embaixo. Temos outro ponto importante a considerar aqui: a criatura é impossibilitada de se utilizar de sua Persona para angariar simpatia e aceitação social, uma vez que seu aspecto físico interfere negativamente na leitura social dos indivíduos que vai encontrando. Barrado em seu direito de amar e ser amado, ele compreende que apenas com um ser de igual aspecto poderá se relacionar. Quando ele pede para que Victor crie um ser do sexo oposto, seu desejo é de que haja uma identificação recíproca, mas esse pedido, aparentemente justo, é uma armadilha para Victor: e se o monstro não for correspondido por essa fêmea? Terá que criar outra? E se houver entendimento entre os dois, o que poderá nascer dessa união? 

Considerando o pior cenário e as probabilidades terríveis do pedido, Victor desiste de dar  à sua criatura a coisa que ela mais deseja e esta, sem chance de mostrar seu interior generoso e terno, e agora, sem perspectiva de ter uma companheira, entrega-se à sua Sombra. A criatura assume a monstruosidade que os outros dizem que ele tem, uma vez que só enxergam a sua deformação e parte para a vingança. E aqui, percebemos a ardilosidade de suas ações, através da forma como ele encurrala Victor e o atrai para a morte. 

Essa lógica usada pela autora me fez lembrar muito da lógica usada em Joker, estrelado por Joaquin Phoenix recentemente. Quem já assistiu ao filme e leu Frankenstein vai encontrar algumas pontes interessantes. Não vou me espalhar muito por aqui, uma vez que o filme ainda se encontra em cartaz e muita gente ainda não assistiu, mas daqui a um tempo, vamos conversar sobre esse ponto, ok? 

Leitores, Frankenstein é, enfim, um romance sobre duas vidas arruinadas, uma vez que não encontram, nas provas sociais, um meio para chegarem à luz de seus desejos. É um LIVRÃO! Sugiro muito que o leiam.

Gostaram da resenha? Compartilhe os seus pensamentos!

Um abraço e até a próxima!




Mariana Mendes 💖


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